Por trás da décima porta














Por trás da décima porta


jack.sawyer@itelefonica.com.br
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As pessoas estavam gritando. A grade do segundo andar do grande salão estava em chamas. Muitos estavam se atirando lá de cima, para acabarem sendo pisoteados pelos demais, que desesperados, tentavam achar a saída. Haviam várias portas numeradas com seguranças em todas elas. O estranho é que os seguranças estavam bloqueando as saídas, impedindo as pessoas ao invés de ajudá-las a sair. Algumas pessoas estavam em chamas. Eu assistia a tudo, incapaz de fazer alguma coisa.
Acordei suando. De novo o mesmo sonho. Já há alguns meses esse sonho me perseguia. Era sempre o mesmo lugar, a mesma casa, as mesmas portas, os mesmos números. Não fazia idéia da razão desse sonho. Nunca tinha visto esse lugar.
Acordava sempre cansado e não rendia muito no trabalho e nem na escola.
Chega o final do ano e felizmente eu passei para o último ano do colegial.
Depois das férias de final de ano, havia parado de ter aqueles sonhos (ou melhor, pesadelos?), nem percebi quando parei de tê-los.
Quando voltamos das férias de julho, a galera sugeriu para irmos para alguma praia no final do ano, já que depois do colegial, cada um ia para um lado. Uns para faculdade, outros se mudariam e dificilmente nos veríamos de novo, pelo menos, não com a mesma freqüência. A idéia foi prontamente aceita.
Durante os meses seguintes, fizemos alguns contatos e decidimos ir para Cananéia. Em contato com a prefeitura local, eles cederam uma sala que ficaria inativa nas férias, que poderíamos usar como alojamento.
Chega o final do ano. Todos passamos, mas não importava. Já tínhamos marcado o final de semana. Seria nosso ultimo fim e semana juntos como colegiais. Saímos cedo e chegamos em Cananéia por volta das 11:00 h. nos trocamos e fomos para a praia. Nos divertimos bastante. Era uma praia tranqüila, com poucas pessoas. A noite fomos para dar um passeio. Demos uma passada em uma lanchonete e ficamos lá por um tempo. Depois decidiram ir para uma danceteria.
Na verdade, eu não gosto muito desses lugares. Todo fechado, com muita fumaça de cigarro, música muito alta e principalmente, muita gente.
Sempre tive aversão com locais com muita gente, não que eu seja oclofóbico(1) , mas é que é um empurra-empurra e fica difícil conversar, mas o pessoal ficava insistindo.
- Vamos lá, por nós.
- É. Só um pouquinho.
Eu não queria ser o estraga prazer da turma e decidi ir com eles, mas era só por pouco tempo.
Chegamos lá e de fora dava para ver que era um grande casarão de época, estilo colonial todo branco com muitas portas duplas pintadas em azul.
Logo se via que o local era bem badalado, visto que a fila para entrar era grande, mas antes que eu inventasse uma desculpa, meus amigos me seguraram, ressaltando que era só um pouquinho.
A música que escapava do casarão era agradável, estilo anos 80, não essa batedeira e letras sem sentido que tocam hoje.
Fiquei em um canto tomando refrigerante enquanto o resto estava na pista de dança. Mas alguma coisa não estava bem. A seqüência musical não me era estranha. Não poderia ser um cd que eu tinha ouvido, porque os DJs formavam sua própria “playlist”. Eu já poderia até adivinhar a próxima música. Quando olhei para cima, e vi as pessoas dançando no segundo andar é que caiu ficha.
Foi quando eu senti um frio na barriga e minhas pernas amoleceram. Encostei-se à parede tentando ordenar as coisas e comecei a prestar atenção nos detalhes. Lembrei-me dos sonhos que me atormentavam há um ano atrás. Estava tudo igual. Tentei localizar meus amigos, precisava sair dali. Comecei a andar pelos cantos, testando as várias portas. Estavam trancadas... como no sonho. Encontrei um deles e disse que ia embora dali. Ele concordou e rapidamente juntou todo mundo e saímos do casarão. Quando pisei na rua, olhei para trás e vi que tinha um número dez em cima da única porta que estava destrancada. Era o número do casarão, mas pra mim era mais um sinal. Ficamos por ali ainda algum tempo e felizmente nada aconteceu.
Vim a crer que o sonho que se repetia era uma espécie de premonição sabe lá. Talvez eu fosse o catalisador dos acontecimentos e quando eu saí, quebrei a seqüência dos eventos impedindo uma catástrofe. Será? Quem pode dizer?
O bom disso tudo é que chegamos unidos e saímos unidos. Quando pedi pra sair, todos foram de acordo.
Não comentei nada com ninguém, pois certamente me taxariam de maluco, ou que tinha tomado alguma coisa a mais. Mas a verdade é clara. Meu sonho talvez tenha salvado todos nós.

Fim.

1-Oclofobia - medo de multidão.

Comentários

Unknown disse…
Saudações!
Amigo,
Que Texto Excelente!
Talvez os sonhos sejam também prenúncios de acontecimentos...
"Pitágoras exortava os seus discípulos a escutarem a voz de dentro"...os infelizes buscam longe os bens cuja fonte em si trazem" (vesos de ouro de Pitágos!
Parabéns pelo texto!
LISON.

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