Erro na matriz

 

E hoje começa tudo.

Ou será que termina?

O inexorável tic-tac do relógio conta a passagem do tempo. Ou será quanto tempo falta?

Tic-tac.

Se for o tempo que falta, será o meu tempo ou o tempo dos outros?

Tic.

Ou será o tempo de tudo?

Tac.

O tempo é o mesmo para todos?

Tic.

Ou cada um vê seu tempo e o tempo dos outros de forma diferente?

Tac.

Posso comparar o nosso tempo (ou o meu tempo) com uma grande (bem grande) garrafa de água, com um minúsculo furo em baixo.

No começo, quando ela está cheia (de vida?), a água sai com velocidade, violenta e impetuosa.

Ti-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac...

Mas quando a (vida?) água vai acabando, seu ritmo diminui. O que era um jorro, começa a escorrer.

Tic-tac             tic-tac              tic-tac             tic-tac              tic-tac             tic-tac

E depois a pingar.

Tic, tac, tic, tac, tic, tac...

Cada vez mais lentamente.

Tic

Tac

Tic

Tac

O barulho é ensurdecedor. Como aquela gota de água que bate no fundo da pia vazia.

Tic.

Enlouquecedor.

Tac.

Eu já estive neste momento?

Tic.

Ou será um “Deja vu”? Um erro na matriz?

Tac.

Ele parece zombar de mim, dizendo que nada que eu faça vai mudar. No caso da gota, o que vai mudar? Interrompendo o (fluxo da vida) gotejamento.

As cenas passam na minha cabeça como em um filme.

“um filme que eu já vi, ou que ainda vou ver?”

Algumas cenas se repetem.

Tic-tac.

Como o interminável e intermitente aparecer e sumir do cursor em uma tela em branco.

Aparecer e sumir.

Será este o propósito? Aparecer e sumir? Estar e não estar? Tic e tac?

O filme continua passando.

Eu correndo com grandes animais me perseguindo.

Eu correndo com vulcões explodindo a minha volta.

Eu correndo com rios de lava a minha volta.

Eu correndo, com homens de tanga e tacapes cravejado de dentes de tubarão me perseguindo.

Eu correndo de pessoas com forcados e gadanhos e tochas me perseguindo

Eu correndo, com homens brancos me perseguindo.

Eu correndo, com homens de branco me perseguindo.

As cenas vão sempre mudando, e eu sempre correndo. Fugindo.

Até que encontro uma porta. Uma porta vermelha.

O que uma porta vermelha faz ali? Não importa.

Eu entro e ela desaparece. E me vejo em um ambiente todo branco, iluminado (mas não sei de onde vem a luz), opaco, sem reflexos e sem cantos.

Nada para marcar a passagem do tempo (ou quanto falta?).

Um ambiente do infinito. Atemporal.

De repente tudo desaparece (de novo?).

E acordo.

Meu relógio de pulso está ao lado do travesseiro.

A tv ligada e o homem do jornal falando da pandemia, das mortes, do isolamento.

E eu me pergunto.

Será um erro na matriz?

 

Jack Sawyer

 

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